Beliscando no aperitivo francês

Outro dia minhas amigas me procuraram para saber exatamente o que os brasileiros beliscam no tal aperitivo.

A convesa seguiu para as diferenças entre os tipos de comidas que são servidos como aperitivo no Brasil e na França e, explicando uma receita e outra de coxinha e empada, surgiu uma crítica contra aquele meu comentário do post anterior, onde disse que o aperitivo não servia para abrir o apetite, pois depois de beliscar várias coisas a gente acaba perdendo a fome.

Explicação do jogo de palavras e do xeque-mate das amigas francesas:

Obrigatórios em um aperitivo no Brasil: azeitona, castanha de caju, amendoim assado, cozidoo e/ou com casquinha japonesa, caldinho de feijão, peixe e/ou camarão, coxinha, empadinha, torradas com molhos rosé, quatro queijos, maionese, molho de cebola, e mais todos aqueles salgadinhos do gênero chips, baconzitos, fandangos etc.

Obrigatórios em um aperitivo na França: absolutamente nada que se come pode ser considerado obrigatório, pois se houver apenas uma bebida, já é feito o aperitivo (um Pineau de Charentes, bebida à base de cognac e uva, um martini vermelho ou branco, um Pastis à base de ervas etc).

Pode-se, contudo, falar em aperitivos para comer que são "mais comuns" ou "mais fáceis de se encontrar à mesa", mas em todo caso, nunca haverá uma grande variedade servida ao mesmo tempo. Coisas banais como azeitona, virão acompanhadas de azeitona mesmo. Se tiver batata-chips, não vão existir muitas outras opções de salgadinhos além de chips. Eles utilisam muito a pizza branca ou nacos (mexicanos) cortados em quadradinhos pra servir como aperitivo.

O que eu quero dizer é que não existe essa riqueza de coisas obrigatoriamente servidas em aperitivo ao mesmo tempo, tal como fazemos no Brasil.

E o mais interessante é que na França são propostos aperitivos à base de legumes crus, os quais se mergulha em um molho, ou, dependendo da época do ano, no inverno por exemplo, o molho é substituído por uma pasta à base de carne (porco, carneiro, pato, ganso, javali etc) cozida longamente até se desmancharem (geralmente dois dias de cozimento)... ok, patê pra quem quiser chamar assim, mas eles a chamam de rillette, e dizem ainda que patê é outra coisa... vai entender...

Assim, em toda festa na França encontrei bastões de cenoura crua, e outros legumes também servidos crus, como pepino, couve-flor e nabo. Para acompanhar esses legumes, três molhos são geralmente servidos: um chamado caviar de berinjela (muito consumido também no Brasil na Itália, em Portugal e na Grécia, principalmente quando faz calor, geralmente sobre torradas ou pizza branca), outro molho a base de azeitona, verde ou preta (fácil de fazer) e por fim o conhecido tamaris, uma espécie de patê de tamarindo considerada como uma iguaria oriental e muito apreciada pelos franceses (que pagam um preço absurdo por ele, esquecendo ou ignorando que não é tão oriental assim...).

Quaisquer coisas a mais que se ofereça em um aperitivo francês, como patê de fígado, de pato ou de ganso, maioneses, bolinhas de melão com presunto, entre outros, pode rapidinho deixar de ser um aperitivo e virar uma entrada, dependendo, para isso, apenas da forma de apresentação (individual ou convivial) que se coloca à disposição das pessoas (sim, os franceses normais fazem refeições em seis partes: aperitivo, entrada, prato de resistência, mix de folhas, prato de queijos, sobremesa/café. E isso no dia-dia e sem ajuda de uma empregada!)

As diferenças mais evidentes entre as propostas de aperitivo acima descritas são as calorias e a probabilidade de ainda existir espaço no estômago do gourmand depois do aperitivo.

E é ai onde residiu a minha besteira do post anterior, besteira não, digamos semi-ótica. Eu disse que às vezes não sabia pra quê servia o aperitivo se no fim das contas -e de algumas cervejas - se ele acaba virando a única refeição do dia, de tanto que se belisca aqui e ali (exemplos meus amigos e familiares na praia de Tamandaré-PE).

Lógico que essa afirmação foi guiada pelo traço cultural de ver (e comer!) muito aperitivo no sentido brasileiro do termo, o que não me deixou ver a tempo que é possivel que um aperitivo no sentido estrito, ou seja, APENAS para abrir o apetite; existe.